quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A terra, a solidão...



A TERRA, A SOLIDÃO...



Terrenos, planuras quase totalmente despidas de vegetação arbustiva e arborícola, afeiçoados durante séculos pela inclemência do clima e pelo constante rasgar do arado, trouxeram ao Alentejo a imagem do isolamento e das longas distâncias a que se encontra, lá fora, o mundo.


Descobrir, hoje, esta terra promissora, da Barragem de Alqueva e das suas subsidiárias, do Porto Marítimo de Sines, do Aeroporto de Beja, da Mineração, do Mármore, da Cortiça, dos Lacticínios e da Agro-Pecuária, do Artesanato e das Auto-estradas, além naturalmente dos empreendimentos de Turismo Rural que proporcionam bem estar a quem deles pode usufruir, é descobrir uma terra de projectos políticos, económicos, sociais, culturais e lúdicos, em constante conflito entre o que tem e o que lhe é imposto e as suas verdadeiras necessidades.


É obrigatório, como homenagem ao povo alentejano, relembrar a quem nos visita que, nesta terra agora tão procurada pelo seu pitoresco, quiçá, pelo seu exotismo, os camponeses foram mártires do trabalho árduo, e de algum modo ainda o são, nunca foram proprietários de coisa alguma, nem donos da sua própria vida e que os montes não eram de facto locais de lazer. Até de alguns lavradores se pode dizer também que a sua vida era a terra esboroada, de parca condição produtiva, de comezinho desabrochar; de outros e da sua riqueza poder-se-á dignificar a justiça do seu trato. Porém, todo esse ambiente era propício à introspecção, à intimidade com a natureza, à observação atenta –“matutada”- da contingência da vida.


O Alentejo foi e é terra de êxodo, de saudade, desamparo e solidão. Ninguém “abandona” a sua terra se a isso não for obrigado, e, saindo dela, ironicamente contribui para a melhoria dos que ficam. Não havia nem há trabalho para todos e, para a maioria daqueles que actualmente trabalham é difícil viver e expressar com ânimo um sorriso.


Do Alentejo se pode falar de tudo: de imensidão, de fartura, de desertificação, de abandono, de beleza, de sedução, de pobreza, de tradição, de história, de emoção, das coutadas, de searas e restolho, de mondadeiras e ceifeiros, de sede e fome, de terras brancas, amarelas, vermelhas e escuras, do pegajoso das estevas de frágeis pétalas brancas e do cheiro do rosmaninho, da expectativa e da frustração.


Podemos ouvir o poeta alentejano cantar o encanto e o desencanto, como necessidade e como arte, até com graça, mas nunca com ligeireza. A sua voz, em uníssono, a todos sensibiliza e nobilita, singularizando de tal modo a coisa mais simples e comum que, por artes “mágicas”, ela se torna incomparável a qualquer outra. É verdade, o alentejano tem um condão especial para considerar belas as coisas mais vulgares e perverter-lhes o sentido ao encurtar qualquer caminho: é já ali… e não há que desanimar mesmo que não seja.


Um conselho ao nosso estimado leitor: saia da cidade e ondule pelos campos o seu olhar, pare no meio deles, não precisa de guardar o rebanho, mas observe o pastor (já há poucos!) e se possível fale com ele. Verá, então, em seu redor a poesia e sentirá a solidão e o recolhimento, quase religioso, de quem sabe desde há muito o modo como o seu corpo em vida já, antes da morte, se misturou com a terra.



Publicado por Leonel Borrela in Diário do Alentejo de 5 de Outubro de 2007



Nota: Este texto, ligeiramente modificado, veio publicado na extinta “Agenda Cultural de Beja”, nº19, de Maio de 2002, publicação da Câmara Municipal da cidade. As ilustrações são estudos do saudoso artista Carlos Marques.