segunda-feira, 7 de setembro de 2009



Vinhetas de uma “viagem” em 1949



O Estado Novo patrocinou, através do Conselho Nacional de Turismo, em colaboração com a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, a edição de uma revista destinada a divulgar a sua actividade e a cultura portuguesa. A revista de turismo “viagem”, sob a direcção do seu proprietário, Carlos D`Ornellas, já ia no décimo ano de publicação, quando, no Verão de 1949, dedica por inteiro as suas quarenta páginas, de tiragem extraordinária, à cidade e ao distrito de Beja. Homenageava também, em simultâneo, o governador civil, sr. dr. Quirino dos Santos Mealha, valorizando os seus cinco anos de exercício.
É próprio do conteúdo destas revistas a existência de publicidade privada, contudo, dados os patrocínios oficiais, ela é mínima e quase não se sente. A colaboração também não afecta grande número de entidades. Com dez anos de residência em Beja e 53 de idade, Abel Viana assina um dos seus melhores trabalhos sobre o Museu Regional de Beja, sobre a sua história e riqueza ímpar do acervo museológico. Depois, como resultado da pesquisa realizada pela redacção, inicia-se um périplo pelas terras do Baixo Alentejo, fazendo a justiça possível às suas riquezas económica e cultural: sucedem-se Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Barrancos, Beja, Cuba, Mértola, Moura, Odemira, Ourique, Serpa e Vidigueira. Ferreira do Alentejo e Castro Verde não constam. A documentação fotográfica é boa, com alguns bons clichés de Zambrano Gomes. Por fim, dos escritores alentejanos, uma breve antologia (aliás, brevíssima): uma carta de Soror Mariana (que não foi escritora, embora as suas cartas alcancem os pergaminhos literários); o enterro de D. Luís, por Fialho de Almeida (de “Os gatos”) e de Brito Camacho, do seu livro “Nas horas calmas”, um extracto sobre Fialho de Almeida e a recepção da notícia da sua morte.
E só agora é que vamos entrar no tema desta crónica: as vinhetas, pequenos desenhos de feição decorativa, quase estilizados, que se colocam, normalmente, no fim de um texto (quando não da página) fazendo a sua separação com o seguinte. Nos primórdios do livro (séculos XV para XVI) utilizavam-se as xilogravuras (gravura sobre madeira), depois as gravuras sobre metal (calcografias, águas-fortes, ponta-seca, água-tinta), mais tarde, as litografias (sobre calcário), até que chegamos ao século XX que permite, mercê da descoberta da fotografia, no século anterior, a impressão de zincogravuras, processo já ultrapassado pelo offset e pela recente tecnologia informática.
Ora, as pequenas vinhetas que ornamentam a “viagem”, foram impressas por zincogravuras, denunciando a sua temática um encadeamento perfeito com o mundo rural. Logo de início surge a Torre do Castelo de Beja, como centro desse mundo; depois, intercalando os textos: uma vara com seu pastor, seguida da ceifa, da apanha da azeitona, do monte, do churrião, da chaminé e do aguadeiro. As vinhetas, além de animarem a revista, ofereciam ao leitor um cortejo etnográfico das várias actividades económicas e dos usos e costumes da região do Baixo Alentejo, retrato da identidade e autenticidade portuguesas que se pretendia valorizar e eternizar. São pequenas obras de arte, de autor que desconhecemos (poderiam ter sido de Carlos Marques ou de Cruz Louro?), cuja finalidade era a da difusão da “propaganda das belas coisas de Portugal, que é [era] o supremo e patriótico objectivo da revista.”

Publicado por Leonel Borrela no jornal Diário do Alentejo em 6 de Junho de 2008.